Inception: Os cuidados antes de rodar este processo

Muito se fala sobre o processo de inception de um produto no mercado, muitas empresas tem implementado esse processo e após ter a experiência de ter participado da facilitação desse processo, resolvi escrever sobre alguns pontos de atenção que você deveria ter quando estiver se preparando para executar o processo.

O que é uma inception?

Antes de começar, vamos conceitualizar o que é uma inception. A inception é um processo que dura alguns dias (e até semanas e meses) onde pessoas de produto, tecnologia e negócio participam de várias dinâmicas com o intuito de alinhar e a definir os objetivos, estratégias e o escopo de um produto. O resultado da inception é, em linhas gerais, um backlog do produto, o fatiamento deste backlog em releases alinhado com os objetivos e uma estratégia de como vamos desenvolver o produto.
A inception pode ser executada para um produto em uma linha mais explore ou exploit, porém vale comentar que na linha de explore (uma linha mais disrupitiva) talvez seja preciso utilizar algumas ferramentas para validação de hipóteses, como Design Sprint, por exemplo. Em uma linha mais exploit (uma linha mais de inovação), pode ser que essas ferramentas de validação possa ser utilizada mais pontualmente.

Dado essa introdução sobre ao processo, vamos aos pontos levantados:

Gaste um tempo setando expectativas

É incrível como esse ponto é básico e desafiador ao mesmo tempo. Antes de começar a inception, alinhe como será o processo, o que é esperado das pessoas na participação das dinâmicas e qual é o resultado esperado em cada dinâmica aplicada e também ao final do processo. Feito esse alinhamento antes de começar o processo, reforce esse ponto no primeiro encontro da inception e no começo de cada dinâmica. Isso vai te salvar muito tempo durante as dinâmicas e na facilitação das discussões.

Garanta que todos tenham uma visão do processo da inception e seus outputs

Ainda relacionado com as expectativas das pessoas, garanta que as pessoas tenham uma visão do passo a passo das dinâmicas, o resultado esperado de cada etapa e como esses estes estão relacionados com o outputs finais da inception.
Além desse ponto, garanta que as pessoas tenham uma visão da agenda e sempre mostre o quanto avançamos e o que falta para alcançarmos nosso objetivo. Como a inception é um processo que pode ser demorado, essa etapa ajuda no alinhamento das expectativas de quem está participando.

Gaste um tempo com o processo AS IS e ajude o pessoa a abstrair isso no TO BE

Aqui vale comentar que primeiro entendemos o fluxo AS IS (como é o fluxo ou o processo atual) para depois irmos desenharmos o fluxo TO BE (como o fluxo ou o processo deveria ser).
Assim, gaste um tempo considerável entendendo e montando o fluxo AS IS. Quanto mais tempo você dedicar a entender isso e a garantir que o grupo todo entendeu como é o processo atual, melhor serão as discussões sobre a solução.

Disclaimer: pode haver casos onde não há um fluxo AS IS ou esse é muito complexo de ser mapeado (produto na linha de exploit). Neste caso, uma das opções é ir direto para o fluxo TO BE, mas tome cuidado, pois isso pode ser um sinal de que você está levando algumas incertezas para esse fluxo TO BE. Sempre tome cuidado com suposições sobre o fluxo TO BE.

Depois desse entendimento, quando formos para o fluxo TO BE, garanta que as pessoas consigam abstrair isso no TO BE de uma forma que elas não tentem propor uma melhoria do processo atual, mas sim propor uma solução para as dores e necessidades do usuário. Um exemplo que pode ser dado é quando estamos desenvolvendo um software para automatização de um processo onde temos um fluxo AS IS totalmente manual, faça com que as pessoas pensem em formas de automatizar este fluxo, podendo até eliminar algumas etapas com a automatização, ao invés de tentar melhorar as etapas de forma manual, pois isso pode não fazer sentido nesse contexto.

Alinhe alguns conceitos sobre agilidade e desenvolvimento de software

Tenha em mente que nem todos que estão participando da inception têm claro alguns conceitos comuns no desenvolvimento de produtos de software, como interações, entregas incrementais, entregas contínuas, tamanho dos lotes, etc, e isso causa algumas discussões durante as dinâmicas.
Entre os pontos que causam discussão, o que mais se discute é em relação ao MVP ou MVP’s da solução. Gaste um tempo alinhando com os participantes esse conceito e como esse conceito e outros irão ajudar a entregar valor mais rápido para fluir melhor com as discussões que surgirão.

Tenha tempo para se preparar e planejar manobras

Algumas literaturas sugerem que você reserve vários dias seguidos de dinâmica sem intervalos entre os dias. Ter ou não esses intervalos é um ponto que tem alguns trade-offs a serem considerados.
Se você não tiver intervalo entre os dias, você conseguirá terminar o processo mais cedo, o esforço para recapitular alguns pontos das etapas anteriores é menor e pode ser mais fácil de convencer os stakeholders a investir tempo nas dinâmicas. Em contra partida, as pessoas podem ficar mais cansadas, você como facilitador não terá muito tempo para se preparar para os próximos passos, alguns alinhamentos após uma etapa e outra podem não acontecer, afetando a qualidade do resultado final da inception.
Outro ponto importante é que as dinâmicas utilizadas nas inception, geralmente, são padrões para todos os tipos de produto, porém pode surgir a necessidade de adaptar algumas dinâmicas ou até criar dinâmicas para ajudar os stakeholders a tomarem decisões. Sem um intervalo entre as dinâmicas, essas mudanças de processos podem não acontecer e interferir no resultado final.

Não se prenda as ferramentas mas ao objetivo do processo

O objetivo do processo como um todo é levantar o escopo do produto, seus objetivos e suas estratégias e, para isso, há muitas ferramentas disponíveis e até um processo todo montado para atingir estes objetivos, mas não se prenda a isto. Caso você encontre alguma etapa ou dinâmica que não faça sentido para o contexto que vocês estam enfrentando, remova esta. Caso encontre a necessidade de mais algumas dinâmicas extras, pesquise na internet e até crie algumas novas. O importante mesmo é o resultado deste proceso e as dinâmicas são só um meio para isso.

Tenha pessoas para ajudar a facilitar

Facititar as discussões e garantir que estamos no caminho certo é algo muito custoso. Algumas discussões podem ficar longas e complexas. Além destes pontos, você como facilitador vai ficar exausto em alguns momentos devido a grande carga cognitiva envolvida nas dinâmicas. Ter alguém para ajudar a facilitar as discussões, ajudar a anotar e a organizar as informações e até mesmo assumir o papel de facilitador em alguns pontos é algo importante e necessário.

Crie e se apoie nas regras de ouro

Eu considero este como o ponto mais importante para um facilitador, as regras de ouro. São as regras básicas para todas as discussões que vão ocorrer durante a inception. Crie elas antes da inception e apresente no primeiro dia e, durante as discussões, faça referência a elas para ajudar a conduzir a facilitação.
Essas regras podem ser coisas do tipo:

  • Não é permitido acessar celulares e notebooks dentro da sala, mas fiquem a vontade para sair da sala e utilizar eles lá fora, sem julgamentos.
  • Estacionamento de ideias ~ parking lot – para tratar ideias que não fazem sentido naquele momento das discussões.
  • Todas as opiniões devem ser escutadas e são bem vindas.
  • Respeite os horários.
  • Fiquem atentas para as orientações da pessoa facilitadora.

Se apoie nelas para o sucesso na facilitação das discussões.

Cuidados com as dispersões das conversas

Vão acontecer discussões e é importante que as pessoas exponham seus pontos de vista. Deixe as discussões rolarem, pois elas vão ser importantes, mas tome cuidado quando as pessoas começarem a divagar ou saírem do assunto em pauta. Tenha habilidade para saber quando cortar as conversas e para convergir o grupo. Caso o assunto abordado não seja importante para o momento, use e abuse do parking lot (estacionamento) de ideias!
Além disso, cuidado com conversas paralelas. Isso sempre atrapalha o grupo! E sempre monitore o tempo de cada dinâmica para ajudar a otimizar o tempo e manter o grupo no foco das discussões.

Cuidado com às pessoas que participam das reuniões

Aqui eu tenho dois pontos. O primeiro é em relação a cobrir todas as especificidades do produto em relação a escopo e o segundo é em relação a ter pessoas com poder de decisão presentes nas etapas.

Assim, em relação ao primeiro ponto:
– Garanta que todas as áreas relevantes para o produto estejam presentes, como especialistas em finanças, marketing, especialistas no consumidor, tecnologia, logística, design, etc.
– Tome cuidado para não ter excesso de pessoas de uma área específica (se somente uma pessoa daquela área for suficiente, não chame mais pessoas). Vale lembrar também que determinadas pessoas possam participar em momentos específicos e não necessariamente de todos os encontros e dinâmicas.
– Se uma área não for relevante, não chame!
– É importante que todo o time de desenvolvimento do produto esteja presente para evitar desalinhamentos.
– Tente balancear a quantidade de pessoas na sala. Quem não precise participar, melhor deixar de fora.

Em relação ao segundo ponto, garanta que haja pessoas que tenham poder de decisão participando das etapas ativamente. Caso isso não seja possível, garanta que essa pessoa passe essa responsabilidade de decidir para alguém do grupo ou que essa pessoa faça alguns check points com o grupo para garantir o alinhamento. Isso é sempre um risco para o processo, então tome cuidado com esse ponto.

Cuide para que todos participem

Tem algumas pessoas que são mais importantes em algumas etapas, então garanta que essas pessoas tenham voz em alguns momentos. Um exemplo disso é quando o cliente final do sistema está descrevendo uma de suas dores. Deixe essa pessoa a vontade para levantar seus pontos e garanta que todos entenderam essa pessoa.
Outro ponto é quando tem gestores no grupo. Algumas pessoas podem ficar intimidadas a falar na presença dos gestores, então cuide para que essas pessoas se sintam a vontade para falar.
Além deste ponto, garanta que as discussões não fiquem centralizadas em apenas um grupo de pessoas e faça com que todos consigam dar sua opinião.

Trabalhe melhor as ondas/releases

O primeiro ponto aqui é ter claro os objetivos que o grupo irá utilizar para realizar a quebra do backlog em ondas, MVP e/ou releases. Tendo isso, as discussões ficam mais fáceis.

Por último, tenha em mente que você pode não precisa entregar tudo que está em uma onda ou release para liberar um conjunto de funcionalidades para o usuário, ou seja, é possível quebrar as ondas em partes menores que já vão poder ser utilizadas pelo usuário antes de completar tudo o que está em uma release. Isso aumenta sua velocidade em receber feedbacks sobre a solução e ajuda a garantir que você está no caminho certo. Apenas tome cuidado para não frustrar os usuários com uma funcionalidade que não atendem totalmente as expectativas deles e tente alinhar isso com eles sempre que possível.

E você? Já rodou algum processo de inception? Já levantou algum ponto importante

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