O que esperar de uma pessoa que atua com produto? No blog post de hoje, gostaria de discutir um pouco sobre o assunto sem apresentar uma receita pronta de job description do papel, mas sim debater a respeito de uma função que parece estar sofrendo por lidar com expectativas que por vezes são exageradas.
Tive a sutileza de usar o termo “pessoa de produto” para fugir de nomenclaturas como Product Owner, Product Manager, Product Success Manager etc. Minha motivação para escrever o texto veio de uma frase que escutei recentemente e que dizia o seguinte: “aqui na empresa, as pessoas de produto são como mini CEOs”. Será que o fato de a pessoa lidar com múltiplas disciplinas (negócio, tecnologia, pessoas, experiência do usuário etc.) ela está habilitada a estar no patamar de ser a CEO de um produto?
Dando uma resposta simplista, minha opinião é não. O cargo que está mais próximo do CEO é o de CPO (Chief of Product Officer), o qual se reporta diretamente a ele e é responsável por todas as atividades do produto dentro da organização. Tais pessoas atuam na definição da estratégia global do produto projetada para alcançar os objetivos estabelecidos pelo CEO e os membros do conselho.
O que faz uma pessoa de produto?
O que uma empresa deve esperar de uma pessoa de produto é alguém conectado com os estímulos do mercado, atento ao feedback dos usuários e clientes, preocupado com o propósito do produto, responsável pela priorização e especificação do trabalho que é empregado pelas equipes de tecnologia, bem como pelo desenvolvimento, comunicação e execução da visão e estratégia do produto.
Além disso, a pessoa deve saber justificar a relação entre a solução tecnológica proposta e as métricas de negócio (ex: aumento de receita, diminuição do churn, aumento do ticket médio, diversificação do portfólio de produtos etc.) e garantir o melhor atendimento ao cliente.
Ocasionalmente, a pessoa de produto terá de contar com o apoio das áreas de marketing e de negócios com o objetivo de realizar as atividades necessárias para o sucesso do produto.
Em resumo: é uma pessoa articulada dentro da organização que compreende o que acontece fora dela (ex: desejo e necessidades dos clientes, posicionamento dos concorrentes, ambições dos investidores etc.), focada em gerar bons entregáveis e organizar a fila de trabalho das equipes para que elas desenvolvam produtos que apoiarão a estratégia da empresa.
Cabe ressaltar que há vários níveis de pessoas de produto, com responsabilidades muitas vezes diferentes e, frequentemente, compartilhadas. Por exemplo, nada impede a existência de um Product Owner e um Product Manager no mesmo contexto, pois, cada pessoa atuará em níveis diferentes da cadeia de valor do produto e com granularidades diferentes das iniciativas.
O que faz um CEO?
Retomando a provocação colocada no início do texto, volto a questionar: qual a semelhança entre a descrição que fiz de uma pessoa de produto e o trabalho de um CEO? Bem, antes vale a pena compartilhar o que é a função de um CEO dentro de uma organização.
Segundo uma definição do Investopedia, o CEO é o executivo de mais alto escalão em uma empresa e suas principais responsabilidades incluem: tomar decisões corporativas importantes; gerenciar as operações e recursos gerais de uma empresa; e atuar como o principal ponto de comunicação entre o conselho de administração e as operações corporativas.
Na minha opinião, o CEO de uma empresa é a pessoa que:
- Desenha e direciona a estratégia da empresa: a equipe pode ter autonomia em ajudar no planejamento da estratégia, os investidores podem aprovar o plano de negócio e o conselho pode pedir algum tipo de revisão em um plano de negócio, porém, a pessoa que terá completa autonomia e responsabilidade pela execução da estratégia da empresa será o CEO.
- Modela e direciona a cultura, valores e comportamento da empresa: as atitudes e decisões do CEO terão total impacto na construção e no reforço dos valores, crenças e normas da empresa.
- Desenvolve e lidera o time de líderes da empresa: é papel do CEO desenvolver e liderar um grupo de líderes para que sejam transparentes entre si, se sintam seguros para se expressar, busquem o conflito produtivo, tenham clareza dos resultados esperados, estejam engajados em um mesmo objetivo (mesmo que não haja 100% de consenso) e foquem nos resultados coletivos em vez dos resultados individuais.
- Aloca capital para as prioridades da empresa: geralmente assessorado por alguma pessoa de finanças, o CEO é a pessoa da grana. É ele quem toma decisões quanto aos orçamentos dentro da empresa. Ele financia iniciativas (produtos e projetos) que apoiam a estratégia e reduzem as iniciativas que não geram resultado ou que estão desalinhadas aos objetivos de negócio.
Por que uma pessoa de produto não é um mini CEO?
Esperar que uma pessoa de produto exerça as atribuições discutidas anteriormente pode gerar 4 disfunções, sendo elas:
- Frustração: as pessoas acreditam que terão autonomia total para alavancar o produto, controlar o budget, mudar a cultura da equipe, alocar as melhores pessoas para trabalhar no produto, repensar a estratégia do negócio, mas esquecem de se articular com os objetivos estratégicos da empresa. Os primeiros indícios de frustração aparecem quando as pessoas de produto começam a receber as primeiras negativas para as sugestões oferecidas na forma como foi estruturado o orçamento da empresa, em como organizar as equipes e em como solucionar os desafios culturais. No meu ponto de vista, tal disfunção pode ser resolvida no momento da contratação, ao deixar claro o que é e não é esperado da pessoa que for responsável pelo produto dentro da empresa.
- Foco perdido: dificilmente uma pessoa de produto terá uma visão holística da estratégia da organização como o CEO. Ao tentar envolver-se com questões estratégicas que não estão conectadas com o produto (ex: participar de reuniões que não tenham relação com temas que ajudarão na alavancagem do produto), afastam o responsável do produto da equipe, o que aumenta a chance da criação de soluções que não suportarão os objetivos do negócio (desperdício). Uma das formas de resolver tal disfunção se dá a partir da construção de uma visão clara de como os objetivos estratégicos estão relacionados ao produto e uma ferramenta útil para isso é o OKR. Lembre-se: se você é uma pessoa de produto, você existe para ajudar o negócio, portanto, foque nisso.
- Queda no desempenho da equipe: quando uma pessoa de produto se encontra extremamente atarefada por gerenciar a equipe, operar o produto, garantir o atendimento ao cliente, acompanhar métricas de negócio ou pelo fato dela exercer múltiplos papéis (ex: head de inovação, head de tecnologia, head de produto, executivo de marketing etc.), o efeito de tal sobrecarga é a queda do desempenho das equipes. Geralmente tal disfunção é causada por: retrabalhos; indefinições; centralização no processo de tomada de decisão no que diz respeito ao produto; e baixa qualidade no processo de priorização.
- Atividades básicas ficam abandonadas: quando uma pessoa de produto não sabe claramente o que é esperado dela uma série de atividades “básicas” são negligenciadas, como: gerenciar e priorizar o escopo de trabalho da equipe; dar suporte para a equipe em dúvidas sobre negócio; ter uma boa comunicação com os stakeholders da empresa; analisar as métricas de produto; compreender o negócio e o cliente em profundidade; compreender o modelo de negócio, o processo, a necessidade do cliente e a experiência do usuário. Quando a pessoa de produto delega alguma das atividades listadas acima para a equipe, ela está se omitindo do seu trabalho.
No contexto de uma startup, é bem provável que o CEO do negócio exerça o papel de uma pessoa de produto, mas como tentei apresentar ao longo do texto o contrário não parece ser correto. Deixo a dica de um ótimo podcast sobre o assunto no blog Seeking Wisdom. Qual é a sua opinião? Deixe seus comentários abaixo!
Métricas para Projetos Agile
Curso gratuito em 7 e-mails, elaborado pelo autor do livro “Métricas Ágeis”, Raphael Albino.
Indicado para Agile Coach, Gerente de Produtos, Gerente de Projetos, Product Owner, Scrum Master e CTO/CIOs.
Muito bom o texto, Raphael Albino!
Concordo que quando há acumulo de função, a coisa começa a desandar bastante. É aquela questão que praticamente boa parte das avós falavam: “não queira abraçar o mundo com as pernas.”
O que vejo hoje é um desentendimento dos cargos. É muito bonito colocar no linkedin que é CEO, Agile Coach, etc.. e não tem ideia do que isso faz.
Gostei da possível solução que você colocou, deixar claro o que a empresa espera daquela pessoa. Há algumas questões comportamentais envolvidas aí e não cabem aqui nesse comentário (Mas certamente no bar :).
Mas gostaria de levantar alguns ponto que me veio enquanto lia o texto:
– Pq a pessoa de produto que foi taxada como um mini CEO? Acredito que quando isso acontece, é um sinal claro de que a empresa precise de uma mudança cultural.
– A pessoa quer assumir essa responsabilidade de ser um mini CEO? Tá claro para os envolvidos?
– Penso que ter um time multidisciplinar é um diferencial para fazer com que o trabalho flua bem. Mas, até onde devemos ser multidisciplinar?
– Seguindo nessa linha, tenho pesquisado sobre a necessidade de ter um “cargo”. E se, ao invés de sermos devs, designers, QAs, po, senhor(a) do café, sermos parte do todo e fazer com que o produto, projeto, alcance os objetivos previamente acordados? Penso que a multidisciplinaridade seria alavancada mais facilmente. Mas qual seria o limite? CEO e pessoas de negócio?
Enfim, alguns pontos que acho que dá pra conversar na mesa de bar! 🙂
Grande abraço e parabéns pelo texto!