Sem nenhuma enrolação, respondo com certa convicção: não! Mas fique tranquilo, caro leitor, não pretendo cair na armadilha de defender a técnica “tradicional” X ou a ágil Y neste texto, muito pelo contrário. Gostaria de incentivá-lo a refletir sobre diversos julgamentos que podemos ter feito sobre técnicas que, em contextos não apropriados, podem parecer equivocadas e inapropriadas, mas que podem ser muito bem utilizadas quando mudamos uma outra variável nos complexos ambientes corporativos: a estrutura organizacional dos projetos.
Eu sou, de certa forma, cético quanto aos resultados positivos que podemos alcançar quando afirmamos que tal ferramenta é ruim, ou que ela não serve para projetos de software, ou até mesmo que está obsoleta. Talvez algumas estejam, de fato, desenquadradas, mas vamos avaliar com calma este tema.
Como sua empresa encara a responsabilidade nos projetos?
Quando comecei a trabalhar com gestão de projetos em 2010, tive a oportunidade de conhecer e utilizar muitas técnicas consideradas, no meu ponto de vista, mais “tradicionais” (a presença das aspas nesta palavra não é mero detalhe). Exemplos: cronogramas detalhados, gráficos de Gantt, planos extensos e complexos para diversas coisas, etc. Essas ferramentas são ruins? Prejudicam o projeto? Causam efeitos negativos? É claro que as respostas para essas perguntas dependem de outros fatores, mas, em suma, a resposta é simplesmente não. São técnicas que podem ser utilizadas quando necessárias e, se foram documentadas como boas referências, é porque causaram efeitos positivos em outras situações. O detalhe é que, atualmente, as empresas estão se organizando de forma diferente do que estávamos acostumados a observar tempos atrás. Uma mudança significativa é a aparente tendência em horizontalizar os cargos e funções, removendo toda aquela pesada estrutura hierárquica.
Junto com a horizontalização, o que não significa, necessariamente, que não possa existir alguma hierarquia, encontramos a busca pelo empoderamento das pessoas e de suas respectivas participações em processos de decisão, principalmente no âmbito dos negócios. Logo, aquelas técnicas de gestão de projetos que estavam presentes no antigo modelo de estrutura organizacional não servem para mais nada, certo? Errado! O problema estava em atrelar muita responsabilidade em um único ator em toda essa história: o gerente de projetos, que muitas vezes estava atrelado com alguma hierarquia na estrutura organizacional. Talvez este papel não tivesse autoridade hierárquica formal, mas, como geralmente estava responsável pelo projeto, algum tipo de poder era reconhecido (pelo menos no âmbito do projeto).
Não era comum você receber suas tarefas detalhadas, já programadas em que momento iria fazê-las, juntamente com um prazo e um plano a ser seguido? Pois é, esta é a questão. Se o gerente de projetos era cobrado e responsabilizado por coisas que ele, muitas vezes, não tinha muita noção e/ou conhecimento (dependia de outros papéis para entender o que estava planejando), é natural que ele tivesse vontade de tentar controlar a situação. Mas não podemos, na minha opinião, usar esse cenário para afirmar que as técnicas utilizadas por ele, para tentar obter algum controle, são inapropriadas.
E se você tivesse participado da elaboração do cronograma? E se ele fosse construído de forma mais interativa e incremental? E se os planos que você leu tivessem você como um dos autores, juntamente com toda a equipe que trabalha com você? Será que isso não teria mudado o final da história? Ou seja, será que o contexto da estrutura organizacional, que refletiu na forma como as técnicas foram utilizadas, não influenciou sua opinião sobre as técnicas utilizadas?
Eu posso comer aquela pizza?
Quando eu tinha oito anos de idade, tive de realizar uma operação de remoção de apêndice (aquela parte do intestino que não serve para muita coisa). Um dia antes de passar mal e ser internado, eu comi pizza na casa de uma prima e, por isso, durante muitos anos, não tinha coragem de saborear aquelas maravilhas com borda de catupiry. Logo, acabei relacionando a pizza com a necessidade de operar. Não estamos, nós, associando boas ferramentas com estruturas organizacionais ultrapassadas?
Compare os seguintes modelos de estruturas organizacionais em projetos:
O desenho da esquerda representa uma estrutura de projetos mais equilibrada, onde a construção das ideias é conjunta e a responsabilidade sobre os resultados alcançados nos projetos é compartilhada. A estrutura da direita envolve algum tipo de hierarquia e, por isso, é natural que a responsabilidade sobre os resultados do projeto exerça um peso maior sobre papeis com atribuições de gestão e negócios, como um gerente de projetos, por exemplo. Ainda é possível que, neste segundo modelo, as ideias sejam construídas em conjunto, entretanto, há uma provável tendência para que isso não aconteça. A estrutura da esquerda não reflete, necessariamente, uma organização que trabalha com holocracia, mas sim uma visão sobre as responsabilidades dentro de um projeto.
Logo, peço uma gentileza para você, leitor: avalie ambas as estruturas e reflita. Você acredita que uma técnica considerada “tradicional”, que será utilizada na estrutura organizacional horizontalizada, terá o mesmo resultado e efeito quando utilizada na hierárquica (onde a construção das ideias tende a ser mais centralizada)? O problema da estrutura com hierarquias (formais ou informais) é que ela fomenta comportamentos no estilo comando e controle, fazendo com que toda a experiência e relevância da equipe técnica não seja usada de forma apropriada durante a utilização das técnicas. Claro que este tipo de comportamento pode ser mais apropriado em outras esferas, como a militar, por exemplo, mas não acredito que seja adequado para trabalhos do conhecimento (software, produtos, marketing, design, etc.) devido ao dinamismo e às constantes mudanças que ocorrem em projetos dessas áreas.
Ao utilizarmos técnicas consideradas mais “tradicionais” dentro de uma estrutura de projetos horizontalizada, é muito provável que iremos observar outros tipos de resultados. Ou seja, em seu próximo projeto, arrisque comer aquela pizza de brócolis. Ela pode até parecer ruim, mas quem sabe você não se surpreende com o sabor dela?
Este texto também faz parte da ContÁgil, nossa newsletter mensal com curadoria de conteúdo pela equipe da Plataformatec sobre gerenciamento de projetos, metodologias e cultura ágil. Se você ainda não é assinante, assine agora! 🙂