Dicas para enfrentar os desafios de uma transformação ágil

Desenvolver uma estrutura ágil está na agenda de muitas empresas. A promessa de que uma organização assim será mais eficiente e responderá melhor às mudanças no mercado é algo que faz brilhar os olhos de qualquer pessoa que exerça o papel executivo de uma companhia.

O grande problema que venho observando no mercado é um certo sentimento de frustração na adoção do ágil no dia a dia, bem como uma série de dúvidas de como realizar tal mudança em um ambiente com uma cultura hierárquica forte e onde há uma rede política complexa.

Buscando entender as empresas e o papel da liderança dentro de um processo de mudança, compartilho neste blog post dois modelos que tenho adotado para compreender contextos que queiram adotar o ágil.

Uma breve opinião sobre transformação ágil

Uma transformação ágil ocorre quando a empresa desenvolve uma visão sistêmica e organizacional dos aspectos que envolvem tal mudança, de maneira que não haja um olhar meramente metodológico de um assunto que tocará todas as áreas da sua estrutura.

Adotar um novo modelo de trabalho demanda uma modificação na forma como as pessoas enxergam o contexto da organização, o que vai além de um mero treinamento ou de um conjunto de palavras bonitas jogadas em uma apresentação cheia de estilo.

A aceitação de qualquer modelo como o Scrum, o SAFe, o LeSS, o Nexus, o Spotify ou mesmo o método Kanban com sua abordagem evolucionária, sofrerá com o famigerado mindset organizacional, o que para mim, nada mais é do que a coleção de instituições que definem e limitam as escolhas dos indivíduos dentro de uma empresa.

No meu ponto de vista, as empresas possuem dois tipos de instituições, as formais e as informais. As primeiras são regras, departamentos e cargos formalizados e escritos, em geral impostos pela direção. Já as informais, são normas ou códigos de conduta, formadas em geral pelas relações entre os indivíduos.

Conhecer os dois tipos de instituições e saber o poder político de cada uma delas fará com que o processo de mudança aconteça de forma objetiva e com uma boa gestão das expectativas. Recentemente, escutei do Matheus Haddad que o jogo político existe e é importante você conhecê-lo para saber jogá-lo. A seguir, apresentarei duas teorias que poderão ser úteis para você entender esse jogo.

Estruturas de governança

Quando o assunto agilidade vem à tona, provavelmente a sua empresa deve estar em busca de um modelo de trabalho que combine práticas como:

  • Estruturas mais flexíveis;
  • Otimização na coordenação do trabalho;
  • Equipes multifuncionais;
  • Comunicação horizontal e vertical;
  • Poder de decisão descentralizado e difuso.

Pensando em entender como as organizações configuram-se para criar uma estrutura que promova os benefícios listados acima, me deparei com o trabalho de Anna Grandori e Santi Furnari (artigo original disponível aqui). As autoras observaram que as empresas italianas mais inovadoras combinam diferentes tipos de estruturas de governança interna, caracterizadas por:

  • Mercado (incentivos monetários): pagamento por desempenho (individual ou coletivo);
  • Burocrático (autoridade): plano de carreira, planejamento estratégico, sistema de avaliação de desempenho, programa e processo de controle de qualidade;
  • Comunitário (divisão de conhecimento, valores e cultura): compartilhamento de informações, canal de comunicação com stakeholders (clientes, colaboradores etc.), trabalho em equipe, participação no processo de decisão/escolhas;
  • Democrático (responsabilidade, decisão e direitos representados): distribuição das responsabilidades, enriquecimento das atividades dos colaboradores e empoderamento dos colaboradores.

O estudo realizado pelas autoras demonstrou que as empresas que combinam estruturas de mercado, burocrática e comunitária (plurais) apresentam alto desempenho para inovação e eficiência.

Alguns insights importantes do estudo são:

  • Estruturas de mercado e as comunitárias não são mutuamente exclusivas nem obrigatoriamente complementares para incentivar a inovação. Portanto, uma empresa pode combinar resultado e colaboração para gerar inovação;
  • As estruturas burocráticas apresentaram maior relevância para os resultados que visam a eficiência;
  • A combinação entre as estruturas de mercado e burocrática é capaz de gerar alto desempenho de inovação em contextos onde há baixa complexidade e baixa incerteza. Sendo assim, ambientes essencialmente rígidos e competitivos podem gerar inovações menos disruptivas;
  • A combinação entre as estruturas de mercado e comunitária é uma forma eficaz para alcançar, simultaneamente, a eficiência e a inovação em grandes empresas.

Você deve estar se perguntando: afinal, o que isso tem a ver com desenvolver uma cultura ágil?

Se você atua em uma empresa onde o foco está no resultado (mercado), provavelmente você terá dificuldades em desenvolver uma base de colaboração, a não ser que exista uma estrutura já comunitária estabelecida. Agora, se você está em uma empresa que possui uma estrutura de colaboração (comunitária), mas que não dispõe de controle (burocrática), é bem provável que você lide com um ambiente ineficiente.

Observo que as organizações que combinam resultado, gestão baseada em processos, colaboração e visão sistêmica, estabelecem ambientes verdadeiramente ágeis, onde há eficiência, inovação e eficácia.

Ciclo de vida da liderança

Você já ouviu falar da “life cycle theory of leadership” ou “liderança situacional”? Essa é uma teoria criada em 1969 por dois psicólogos chamados Paul Hersey e Ken Blanchard. Os autores defendem a existência de quatro estágios distintos de maturidade dentro de uma organização, sendo que estes influenciam diretamente no estilo de agir do líder para alcançar o sucesso na gestão das pessoas:

Nível 1 – Determinar: os liderados não possuem muita maturidade para executar determinadas tarefas, seja pelo fato dos mesmos não se sentirem seguros ou pela ausência de vontade em executá-las. Para que o trabalho seja feito, o líder deve delegar e acompanhar de perto a execução (foco em direção).

Nível 2 – Persuadir: os liderados possuem uma maturidade moderada e suficiente para executarem as tarefas, porém não contam com todas as habilidades necessárias para exercê-las em sua plenitude. Aqui, o líder além de direcionar o trabalho, deve apoiar e incentivar os liderados para que os mesmos alcancem a autoconfiança e a motivação necessárias para agir (foco em aconselhar).

Nível 3 – Compartilhar: os liderados possuem a maturidade entre moderada e alta, e as habilidades para executarem as tarefas, porém falta confiança ou vontade de assumir responsabilidade no trabalho. Neste momento, o papel do líder é o de buscar a participação e a colaboração dos liderados no processo de tomada das decisões.

Nível 4 – Delegar: neste estágio os liderados encontram-se com a maturidade alta e com as habilidades e a disposição que a tarefa exige. Neste nível, o líder não precisa apoiar e direcionar efetivamente o trabalho, uma vez que os liderados possuem a autonomia e a confiança do líder para criar as melhores soluções e executá-las, independente de seu acompanhamento.

Fazendo um paralelo com a adoção do ágil, é possível perceber que uma empresa no nível 1 precisará de uma liderança que ofereça direções claras e que esteja apta a supervisionar a mudança. Neste estágio é importante que os papéis e as responsabilidades estejam bem definidos, bem como uma direção do que, como, quando e onde executar as tarefas. Empresas que estão neste ponto precisam de lideranças que possuam experiência na adoção do ágil.

No estágio 2, a empresa precisará de uma liderança que forneça orientação, afinal, a capacidade de execução das pessoas ainda será baixa. Além disso, a liderança deve estar engajada e entusiasmada com a mudança, fornecendo um comportamento de apoio para as equipes. Empresas nesse nível devem garantir que as iniciativas de adoção não morram por questões políticas ou pelo desejo de resultados imediatos.

No terceiro estágio, o papel da liderança será de apoio incondicional. Ações facilitadoras, como escuta ativa e compartilhamento na tomada de decisões devem ser enfatizadas. Empresas que estão neste ponto já desenvolveram células de agilidade que estão em pleno funcionamento e gerando resultado, portanto, a liderança deve utilizar tais casos de sucesso como inspiração para as novas estruturas que estiverem surgindo.

No último estágio, pouca direção ou suporte se faz necessária. As equipes já encontram-se auto-organizadas e são capazes de tomar suas próprias decisões. Devido ao seu alto nível de motivação, as equipes também não precisam de apoio. Empresas que atingem este grau de maturidade estão no ápice de uma estrutura onde existem células independentes e autossustentáveis (fica a dica de um texto que fala sobre a SEMCO, case nacional sobre estruturas celulares).

Conclusão

As ferramentas que compartilhei acima estão me ajudando a entender melhor as estruturas das empresas e como compreender o papel das lideranças na elaboração de um modelo ágil de trabalho.

Espero que a partir do que compartilhei, você possa encontrar respostas para perguntas como:

  1. Por que está difícil vender a adoção do ágil na minha empresa?
  2. Será que a liderança da minha empresa está pronta para suportar a adoção do ágil?
  3. Será que o ágil faz sentido no ambiente que estou?
  4. Adotar ágil significa abrir mão de regras, processos e resultados?

E como você tem acompanhado e participado da adoção do ágil no seu contexto? Quais são os desafios? Deixe sua opinião nos comentários abaixo.

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