Qual a sua teoria favorita sobre o papel de um líder? Para mim um resumo perfeito é esta fala do Jack Welch em What is the role of a leader. Em resumo, sem a pretensão de captar a emoção de ouvi-lo:
- Ser o “Chief Meaning Officer”! Deixar claro para todas as pessoas à sua volta: para onde você está indo, por que você está indo e, mais importante, o que haverá para elas quando elas chegarem lá com você.
- Remover os impedimentos do caminho para que as pessoas possam agir e fazer as coisas acontecerem. Quebre os silos, se livre das burocracias.
- Ser generoso. Vibrar com o sucesso das pessoas.
- Ser o “Chief Fun Officer”. Dê seus pulos para tornar o trabalho divertido!
E qual o papel de um líder em uma empresa de produtos digitais? Não deve ser nada diferente disso, certo? Mas afinal, como traduzir estes conceitos para a realidade de uma empresa de produtos?
Trazendo para este contexto, quem melhor traduz o papel de um líder é o Marty Cagan em Empowered Product Teams. Na minha opinião, este conteúdo é o mais relevante que ele publicou direcionado para líderes que estão à frente de empresas de produtos digitais. E por que é tão relevante? Porque coloca de uma forma mais tangível estratégia e cultura, temas muito falados mas pouco colocados em prática.
Motivos de resistência da liderança
Um tópico bem interessante deste artigo é a explicação do por que líderes resistem tanto para empoderar seus times e continuam mantendo o estilo comando-controle.
Segundo ele, existem duas formas de gerenciar uma empresa de produto:
- O jeito errado: “Na maioria das empresas, os times de tecnologia existem para atender o negócio”. De alguma forma, líderes de outras áreas de negócios (vendas, marketing, CEO) acabam direcionando o produto, que é apenas construído pelo time de tecnologia.
- O jeito certo: “Em empresa com forte cultura de produto, times de produto existem para um propósito muito diferente. Eles existem para atender os clientes, de formas que também atendam às necessidades do negócio”. Ou seja, o foco é o cliente e não stakeholders internos. Mas obviamente o produto também tem que ser sustentável para o negócio. Gibson Biddle diz algo semelhante de uma forma mais poética “encantar clientes, de maneiras que sejam lucrativas e difíceis de copiar”.
Marty Cagan conta que conversou com CEOs de várias empresas para entender porque eles continuam trabalhando do jeito errado com desenvolvimento de produtos, mesmo conhecendo o jeito certo. A resposta foi “falta de confiança” no time. A crença é que este modelo de trabalho (o jeito certo) só funciona em empresas que podem contratar profissionais extraordinários, como os do Google, Netflix, etc.
O curioso é que já existem muitos estudos que comprovam que times de alto desempenho não são formados por estrelas, mas sim por pessoas comuns. Aliás, estrelas muitas vezes atrapalham!
“They would be surprised at how ordinary the vast majority of the members of these company’s product teams actually are, and that maybe the important difference lies elsewhere.”
Outra justificativa comum para não empoderar os times é “pessoas de tecnologia não entendem de negócios”! Quem de tecnologia já não precisou respirar bem fundo quando ouviu esta frase? Times de produto precisam do contexto de negócio, para que possam descobrir a melhor forma de resolver problemas dos clientes.
A falta de confiança certamente não é um problema fácil de resolver, já que em muitas situações os times são de fato muito inexperientes. Mas é importante caminhar nesta direção, desenvolvendo as pessoas para que elas possam atuar do jeito certo. Definitivamente, entrar em um ciclo vicioso de falta de estratégia, time inexperiente e comando-controle, não é um bom caminho!
Papel do líder no “jeito certo” de trabalhar
Trazendo para o contexto de empresas de produto, como ser o “Chief Meaning Officer”? Ou seja, como deixar claro para as pessoas para onde você está indo e por que. A Visão e Estratégia de produto são essenciais para trazer este significado e dar um direcionamento ao time, para ele possa trabalhar de forma autônoma.
Visão de Produto
A visão de produto descreve o futuro que queremos criar, em 2 a 5 anos. A importância desta visão é setar um norte inspirador e delimitar um contexto de atuação. Em startups, é muito comum o foco do produto principal ir se perdendo ou o escopo de atuação ficar muito amplo. Isto acontece principalmente quando empresas recebem investimentos e começam a diversificar o portfólio. Sem uma visão para guiar e delimitar as fronteiras, os times de produto podem ficar sem foco, não atingirem resultados e a liderança voltar a assumir o estilo comando-controle.
Estratégia de Produto
A estratégia define qual caminho precisa ser seguido para se alcançar a visão. Um erro comum na definição da estratégia é não fazer uma reflexão do momento atual e traçar uma estratégia pouco realista. Em Escaping the Building Trap, Melissa Peri apresenta um framework bem interessante para definição de estratégia.
Outro artefato, o Product Principles, também ajuda a delimitar o contexto e facilita decisões em priorização. Os princípios descrevem a natureza dos produtos que pretendemos desenvolver e reflexões sobre nossas crenças sobre o que é importante.
Exemplo de coisas que podem ser interessantes explicitar no Product Principles:
- Vamos aceitar desenvolver customizações (features específicas para alguns clientes)?
- Se o produto tem mais de um cliente (vendedores e compradores, por ex), quem vamos priorizar?
- O que é mais importante, velocidade ou qualidade?
- Queremos desenvolver tudo sozinhos ou vamos fazer parcerias?
Uma vez que a Visão e Estratégia estejam definidas, como garantir que elas sejam seguidas? Em empresas com muitos times, como desdobrar a estratégia para os diversos times e manter o alinhamento? No artigo How to Run a Quarterly Product Strategy Meeting, Gibson Biddle, apresenta um processo bem interessante para definição de estratégia de times e também um passo a passo de como estruturar uma reunião de “review” de produto.
Mais sobre o jeito certo de trabalhar
Outras fontes interessantes para entender este jeito certo de trabalhar:
- Escaping the Building Trap, Melissa Perri. Apresenta uma boa explicação da relação entre Customer, Business e o papel do Product Manager em Product-led e Sales-led organizations. As dicas para desenhar estratégia também são valiosas.
- Product team vs Feature Team, Marty Cagan. Reforça de forma bem didática e enfática os conceitos já apresentados em Empowered Product Teams. Feature team é o jeito errado de se trabalhar, no qual os times de produto existem somente para entregar features já priorizadas em um roadmap.
- Coach – Customer Centricity, Marty Cagan. Explica quem são os verdadeiros clientes de um Product Manager: as pessoas que usam o produto! Stakeholders internos (vendas, CEO, etc) não podem ser considerados clientes. Afinal, o time de produto não existe para servir ao negócio!
- Digital or Traditional, Joca Torres. Reflete sobre a diferença do escopo de atuação do Product Manager em empresas Digitais (que tem como core do negócio um software), empresas Tradicionais (que tem como core outros tipos de produto) e empresas que não vendem software, mas tem o software como parte vital do negócio, denominadas born-digital traditional company.
Resumindo
Uma das responsabilidade principais de um líder de produto é definir um norte para o produto e garantir que toda empresa esteja alinhada à ele. Para isso:
- Defina a visão e estratégia de produtos.
- Divulgue para toda a empresa, não apenas para os times de Produto e Engenharia.
- Desdobre a estratégia para todos times.
- Crie cerimônias para garantir o alinhamento entre todos os times.
Caso isso já esteja sendo feito, mas mesmo assim os times não estejam trabalhando com autonomia e alcançando resultados, vale refletir:
- Existe resistência da liderança para empoderar os times?
- Existe um entendimento sobre o papel de um time de produto?
- Se não existe confiança no time, qual é o plano para desenvolver e empoderar este time?
Como tem sido a liderança de produto na sua empresa? Deixe sua impressão nos comentários abaixo.