Há algum tempo, encontrei um amigo desenvolvedor em um evento e ele me contou que as coisas estavam “complicadas” na equipe em que ele trabalhava. O olhar era um misto de dúvida e cansaço, como quase sempre que alguém menciona a palavra “complicado”. Quis entender os detalhes, pois em outra ocasião ele me falou maravilhas sobre o trabalho e a equipe.
O que ele me contou, resumidamente, é que a equipe manteve um bom desempenho desde a sua criação, mas que aqueles últimos 2 meses tinham sido bem ruins. Reuniões e cerimônias começaram a necessitar de mais tempo para serem feitas e o time passou a entregar menos, deixando um clima de desmotivação. A pergunta que me fiz foi: o que aconteceu para que o comportamento do time fosse alterado dessa forma?
Recentemente nos encontramos novamente. Ele concluiu que dois fatores foram determinantes para a mudança:
1. A disponibilização de um board de métricas do produto;
2. A entrada de dois desenvolvedores, alterando a formação do time de 5 para 7 pessoas.
A equipe não tinha acesso em tempo real às informações de uso e conversão do produto, apenas quando solicitava à área de BI. Quando o acesso a um board com esses números foi liberado, discussões frequentes sobre eles se iniciaram de forma desestruturada em dailies e reviews. Na maioria das vezes não se chegava a uma conclusão sobre o ponto levantado e a cerimônia se alongava.
Fred Brooks, em seu livro “Mythical Man-Month”, já falou sobre os efeitos de incluir mais pessoas em um time de software, mas ainda assim não havia indícios tão fortes de que a inclusão de apenas duas pessoas de nível pleno, que já trabalhavam em um time que permaneceria pequeno tornaria impraticável dois processos rotineiros:
- As retrospectivas: o volume de comentários aumentou, assim como os pontos levantados. Ficou impossível passar por todos os pontos e alguns, bastante relevantes, simplesmente deixaram de ser discutidos, frustrando o time.
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Os refinings das histórias de usuário: o número de perguntas e conflitos de opinião aumentou durante as reuniões, reduzindo drasticamente a eficiência dela. Sem ter histórias prontas para desenvolvimento e com as cerimônias demorando mais tempo, a equipe simplesmente perdeu throughput.
Mudanças simples como as mencionadas podem alterar bastante a dinâmica do time ao ponto dos processos em uso não serem capazes de suportar as mudanças sem algum ajuste. Os conceitos de melhoria contínua, iterações e avaliação do processos estão tão relacionados às metodologias ágeis, que parece ingenuidade considerar que alguém possa esquecer disso.
Mas… pode ser que aquele conjunto de processos produziu bons resultados por tanto tempo que a equipe perdeu o hábito de questioná-lo… pode ser que as mudanças cheguem sem aviso, sem parecerem particularmente importantes… pode ser que o time, sem querer, invista energia em culpar as mudanças ao invés de se adaptar a elas… pode ser que na nossa busca em aplicar “Ágil”, esqueçamos de ser ágeis… Por isso, nunca é demais lembrar que ter um olhar crítico para os processos é um exercício constante e necessário.
Meu amigo também contou quais soluções o time adotou quando perceberam o problema. Começaram criando um fórum mensal dedicado a discutir os números do produto, do qual saem ideias de itens de backlog, insumos para priorização e ações para o time de negócios. A partir daí, quando o assunto surgia na daily e na review, quase sempre estava dentro do escopo da cerimônia, sem divergir dos objetivos dela.
Nos refinamentos, embora o escopo final ainda passe pelo crivo de todos, a preparação da história para desenvolvimento passou a ser feita com participação de menos pessoas, reduzindo o tempo das reuniões. Na retrospectiva, passaram a usar uma ferramenta web para preencher os itens antes da cerimônia e priorizá-los, de forma que conseguiram manter as discussões importantes dentro do timebox em que estão todos reunidos.
Independente do nível de ajuste e qual a solução adotada, é certo que seus processos precisarão ser revistos. Portanto, esteja atento a padrões indesejáveis, colete métricas que mensurem seus processos e as acompanhe, converse com as pessoas, fique de olho em mudanças na dinâmica do time e esteja sempre aberto a sugestões.
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