Desenvolvendo um olhar de produto na organização

É possível observar um interesse das empresas em migrar seu modelo de gestão para uma perspectiva de entrega de produto ou serviço digital.

Inspiradas por estruturas orgânicas e multidisciplinares que vão contra as práticas que padronizam e especializam o trabalho, as empresas estão em busca de entregar novas formas de proposta de valor aos clientes, utilizando de maneira efetiva os meios digitais e mantendo sua vantagem competitiva em um mercado que exige uma reconfiguração constante das suas práticas, dos seus processos, dos recursos tecnológicos, dos papéis e das suas equipes.

Se você atua em uma empresa que já nasceu digital, é provável que alguns conceitos modernos já façam parte da sua rotina, tais como jornada de usuário, desenvolvimento de soluções centradas nas pessoas clientes, ciclos constantes de feedback, colaboração entre as diferentes especialidades do negócio para melhorar os resultados da empresa, modelos de bonificação que privilegiem o todo e entregas contínuas de software.

Contudo, existem empresas que estão inseridas em um cenário onde o sucesso é medido por projetos entregues dentro do prazo, custo e escopo. Além disso, os ciclos de entrega de software acabam sendo anuais, tamanha a complexidade na arquitetura tecnológica. Já o modelo de bonificação fica limitado aos silos criados pelos diferentes departamentos, o que pode produzir resultados locais positivos, porém, com perdas quando há uma consolidação da visão global. Por fim, a opinião das pessoas clientes torna-se algo distante do cotidiano de quem está na operação do negócio.

A seguir, gostaria de compartilhar 5 dicas de como você pode promover uma gestão por produtos digitais na sua empresa.

1) Entenda a estrutura de governança da empresa

Antes de pensar em começar um processo de transformação, tenha em mente qual é o estilo de governança que prevalece no seu ambiente. Para isso, sugiro a leitura do trabalho publicado por Grandori e Furnari (artigo original disponível aqui).

Em linhas gerais, o artigo apresenta que os negócios inovadores combinam diferentes tipos de estruturas de governança interna caracterizadas por:

  • Mercado (incentivos monetários): pagamento por desempenho (individual ou coletivo);
  • Burocrático (autoridade): ambientes que cultivam processos bem definidos, o uso de boas práticas, estruturas delimitadas e políticas explícitas;
  • Comunitário (divisão de conhecimento, valores e cultura): espaço que valoriza o compartilhamento de informações, o trabalho em equipe e a participação das pessoas no processo de decisão/escolhas;
  • Democrático (responsabilidade, decisão e direitos representados): distribuição das responsabilidades, enriquecimento das atividades das pessoas colaboradoras e empoderamento das pessoas.

Se as práticas da sua organização têm como foco o resultado (mercado), provavelmente você terá dificuldades em desenvolver uma base de colaboração.

Se há um excesso de burocracia, a eficiência das ações será prejudicada e a agilidade necessária ficará limitada.

Se não existe uma cultura de trabalho em equipe e distribuição das responsabilidades, os silos e as camadas hierárquicas serão fatores limitantes para a inovação e a construção de uma visão sistêmica da cadeia de valor.

Nem todas as organizações terão um estilo de governança propício para combinar inovação, cooperação e geração de resultado.

Agora que você conhece os diferentes estilos de governança, algumas reflexões podem ser interessantes como:

  1. Como os estilos presentes na empresa que estou podem ser potencializados de forma positiva para que a mudança aconteça?
  2. Dado o estilo de governança existente, faz sentido forçar a mudança?

2) Utilize a camada média como uma promotora da mudança

Provavelmente ao fazer qualquer tipo de mudança você se deparará com alguma resistência de pessoas que estão nas camadas intermediárias da organização (gestão, coordenação e afins).

Em grande parte dos casos, a diretoria e a equipe operacional estarão compradas de que mudar a mentalidade para trabalhar de forma mais digital é necessária a fim de garantir a sustentabilidade da empresa. No entanto, pessoas que se encontram no meio da cadeia hierárquica se sentirão ameaçadas e poderão não apoiar a transformação.

Ao invés de julgar e ignorar essas pessoas, identifique as que estão interessadas em favorecer a mudança, utilize os canais gerenciados por elas para promover um senso de urgência e utilize o capital social delas para reforçar as motivações da transição que acontecerá.

Há situações em que a resistência é tão grande que a pessoa realmente não consegue dar uma oportunidade à mudança e infelizmente ela pode passar a não fazer mais parte da empresa, por não conseguir se adaptar ao momento atual. Isso faz parte do processo. Mas em linhas gerais, procure embarcar a camada média no propósito da mudança e utilize-a como promotora da transformação.

3) Gerencie os domínios de uma cultura de produto digital

Tenho observado nas empresas que uma mudança para a mentalidade de produto digital depende da combinação do alinhamento e da direção construídas com a robustez da estrutura organizacional.

Para garantir o alinhamento e a construção de objetivos consistentes é importante que exista uma clareza no modelo de negócio da empresa, sua estratégia esteja clara e que haja visibilidade dos indicadores de performance utilizados para guiar a saúde do negócio. Sem um norte que combine estes elementos, a visão da empresa ficará perdida.

As pessoas e as equipes precisam entender que o trabalho delas está conectado diretamente com a sustentabilidade do negócio. Além do mais, a alta gestão precisa trazer foco e um senso de priorização para as iniciativas que são demandadas.

Sem alinhamento e direcionamento, as pessoas ficarão presas ao modelo de reconhecimento pela entrega ao invés de focar no resultado que está sendo gerado para o todo.

Para que os objetivos sejam entregues em um universo digital em constante mudança, a empresa precisa desenvolver uma capacidade de execução que é sustentada por pessoas habilitadas, processos enxutos e uma arquitetura de software flexível.

Se a empresa não cria mecanismos para formar as pessoas, não simplifica os processos de desenvolvimento de software e não enxerga a tecnologia como um ativo estratégico que precisa ser constantemente evoluído, ela dificilmente criará resultados de negócio de forma assertiva através do meio digital.

Costumo dizer que não existe entrega de produto no contexto digital sem práticas de engenharia de software e sem processos que privilegiam uma cultura de aprendizagem e resolução de problemas.

4) Construa uma visão sistêmica e promova equipes multidisciplinares

Conhecer a jornada com que as pessoas clientes interagem com os produtos e serviços da organização é a base para a construção de soluções digitais que possibilitem melhores experiências.

Captar o que é sucesso para as pessoas consumidoras e traduzir tais critérios em produtos digitais incríveis é um dos grandes desafios de um processo de mudança.

Algumas técnicas que tenho recomendado para as pessoas aplicarem quando desejam construir uma visão orientada ao resultado são:

  • Construção de uma jornada de usuário para a compreensão das dores e as insatisfações ao longo do uso do produto oferecido pela empresa.
  • Mapeamento de processos para a identificação de gargalos e pontos de melhoria.
  • Entrevistas com as pessoas que utilizam o produto da empresa para coletar insights de aperfeiçoamentos da solução e para saber se elas valorizam critérios como tempo, qualidade dos atributos do produto ou conformidade dos requisitos.

Sem uma visão sistêmica (modo de irônia ativado) não há raio squaditizador que crie produtos que serão úteis para as pessoas.

Se você é um departamento de Tecnologia da Informação e não tem autonomia para influenciar o fluxo de aquisição do serviço que a sua empresa oferece, você não deveria ser chamado de squad. O mesmo se aplica se você é uma área de canais digitais que planeja o projeto perfeito de desenvolvimento de um aplicativo móvel, espera 12 meses para receber a solução que alguém fez e depois não tem ideia de como evoluir o artefato entregue.

Nos casos citados acima, a departamentalização gera barreiras para a criação de uma visão sistêmica e inibe a colaboração necessária para o desenvolvimento de produtos.

Desenvolver e preservar equipes que combinem todas as disciplinas necessárias para solucionar os problemas das pessoas que são clientes garantirá produtos em constante conexão com as necessidades do negócio (ex: novas receitas, aumento na satisfação das pessoas clientes, redução dos custos etc.) e com o propósito de melhorar a experiência de quem usa.

5) As três disciplinas necessárias para uma boa gestão de produto

Seguindo a sugestão do método de gestão Kanban que diz para começarmos com o que fazemos hoje e respeitarmos os papéis existentes, deixo como última dica a busca pela aplicação das três disciplinas que estão por trás da construção de produtos digitais ao invés de uma abordagem revolucionária de mudança organizacional.

A primeira disciplina é o marketing de produto que tem como foco desenvolver processos para promover e vender produtos para as pessoas clientes. Além disso, é uma função intermediária entre a criação de produtos e o aumento do reconhecimento da marca.

Pensando no movimento de criação de produtos digitais, ter um bom marketing de produto ajudará na aquisição e retenção de clientes, bem como na promoção da empresa como marca provedora de soluções.

A segunda disciplina é a gestão de produto que pode ser resumida como o processo que se concentra em criar ou promover produtos/serviços.

Conforme definido pelo Joaquim Torres – Joca, a gestão de produto é uma função que cuida da conexão entre os objetivos estratégicos e a experiência das pessoas clientes, além de relacionar as ações do produto com uma visão global da empresa.

Uma boa gestão de produtos ajudará a empresa na construção de um portfólio saudável de soluções (deixo aqui a referência de um texto que escrevi sobre como avaliar os estágios de um portfólio de produtos).

A última, mas nem por isso menos importante disciplina é a de desenvolvimento de produto, que representa a forma como construímos as soluções. Práticas ágeis de gestão de projetos são excelentes aliadas na busca de promovermos ambientes colaborativos, com alta visibilidade e com entregas que permitam feedbacks constantes.

Dado que estamos tratando de produtos digitais, não devemos ignorar práticas de engenharia de software como integração contínua, entregas automatizadas e uma base de código bem gerida. Tais mecanismos permitirão uma otimização no fluxo de entrega e garantirão um resultado final de qualidade.

Ao dominar Marketing, gestão e desenvolvimento de produto, sua empresa conceberá soluções digitais eficazes nas resoluções dos problemas, conectadas com as necessidades de quem usa e de forma eficiente.

Conclusão

Segundo uma matéria recente da Gartner, até 2020, as organizações que adotarem um modelo de gerenciamento de produtos superarão as que não o fizerem.

A transformação digital tem exigido que as empresas saibam incorporar novas tecnologias na oferta de seus produtos/serviços, mudem a forma como criam valor para os clientes através de canais digitais, revejam constantemente seu modelo de negócios para usufruírem dos artefatos digitais e repensem suas estruturas para reduzir os custos de coordenação. Diante deste cenário, uma das formas de sobreviver passa por enxergar sua empresa com a lente de produtos digitais.

Qual a sua opinião sobre o que compartilhei neste texto? Quais estão sendo os desafios neste processo de mudança para produtos no seu ambiente? Não deixe de comentar abaixo ou enviar um e-mail para contagil@plataformatec.com.br!

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